“'Pegadinha' do Itaú termina com protesto de alunos da FGV
Com o objetivo de atrair alunos da Fundação Getulio Vargas a um evento para recrutar talentos, o banco Itaú contratou um ator que se fez passar por um professor da universidade Sorbonne.
Os universitários foram convidados para uma palestra onde ouviriam ‘um dos grandes pensadores da última década, que mexeu com Harvard e a Comunidade Europeia com suas ideias revolucionárias’, segundo o cartaz afixado na escola de administração em São Paulo.
Ao chegarem à palestra intitulada ‘Geração Desencana’, os estudantes tiveram de assinar um contrato para ceder direitos de imagens, pois haveria uma filmagem.
Após cerca de trinta minutos, segundo alunos, o palestrante revelou sua identidade. Disse que era um ator contratado pelo Itaú para divulgar seu programa de talentos.
Revoltados, alguns dos estudantes reclamaram à diretoria. A palestra havia sido negociada com o diretório acadêmico, que teria recebido R$ 15 mil. Procurado, o diretório não respondeu até o fechamento desta edição (...)
O mesmo evento ocorreu em outras universidades, "sem repercussões negativas", segundo o Itaú.”
Do ponto de vista jurídico, há duas informações importantes na matéria: os alunos assinaram um contrato cedendo o uso de suas imagens, e eles fizeram isso porque foram enganados.
Quando assinamos um contrato – e a autorização que assinaram é um contrato no qual cedem o direito de imagem em troca da palestra – estamos criando direitos e obrigações.
Mas nosso Código Civil diz que uma das partes pode pedir a anulação do contrato se tal contrato tem um vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
A ideia comum a todos eles é que quando as partes entram em um negócio jurídico, elas o fazem de livre e espontânea vontade, e sem estarem tentando burlar os direitos alheios (seja os da outra parte, seja os de um terceiro, como os credores). Em outras palavras, não há vícios de consentimento ou sociais.
Os dois que geram mais dúvidas são os dois primeiros: erro e dolo.
Erro é quando uma das partes tem uma ideia falsa da realidade. Ele acha que é algo, mas não é.
Obviamente, não é qualquer erro que possibilita a anulação de um negócio jurídico. Não pode ser um erro elementar ou grosseiro, ou seja, um erro que não seria cometido por uma pessoa normal em circunstâncias normais. E nem um erro que seja irrelevante para o contrato, ou seja apenas secundário ao contrato.
Por exemplo, se você está comprando um carro usado e vê que o carro é velho mas acha que o carro é novo, não dá para, mais adiante, tentar anular o contrato porque o carro é velho: era evidente que ele era velho. Você cometeu um erro grosseiro.
Mas não é isso que aconteceu no caso da matéria acima. Lá, os alunos foram induzidos pela ilusão/mentira criada e usada pela outra parte. Nesse caso, o negócio jurídico é anulável porque houve dolo.
Erro, por exemplo, seria se não houvesse cartazes com o perfil do palestrante, e os alunos estivessem passando na frente do auditório e pedissem “Ah, um gringo falando empolado. Quero assistir. Posso entrar?” “Só se você assinar esse papel autorizando o uso de sua imagem”.
Ao contrário do erro – que é cometido por uma única pessoa –, o dolo é cometido por uma pessoa contra outra. Uma pessoa (ou um terceiro) induz a outra, de forma maliciosa, a cometer um erro. Uma parte cria uma ilusão e a outra acredita naquela ilusão. Sua vontade foi manipulada.
Em direito penal, essa é a base para o crime de estelionato, na qual a vítima dá voluntariamente ao criminoso um bem por causa da mentira contada pelo criminoso (o famoso conto do bilhete premiado). Não há estelionato em direito civil, mas o contrato é anulável pela vítima da mentira.
Em qualquer dos casos de vício do negócio jurídico, a parte prejudicada pode pedir a anulação em até quatro anos. Logo, as pessoas que foram vítimas de outras ‘palestras’ do banco ainda podem pedir a anulação da autorização do uso de imagem, se as tais palestras ocorreram nos últimos quatro anos (daí a importância de sempre assinar documentos com data).
Mas existe uma segunda consequência relevante aqui: tempo é dinheiro. Cada aluno perdeu 30 minutos (segundo a matéria) que poderiam estar usando para outra coisa qualquer por causa da 'propaganda enganosa', e não receberam nada por isso (segundo a matéria, o diretório estudantil, que não são os estudantes, recebeu). Logo, em teoria, podem pedir reparação pelo tempo perdido devido ao engodo. Já se houvesse sido apenas devido a um erro, isso não seria possível já que a outra parte não teria contribuído para a perda de tempo.